Se eu existir, matem-me
17/11/2017
 

Lamento de Ariadne

**
Quem me aquece, quem me ama ainda?
Dai-me mãos quentes!
Dai-me braseiros para o coração!
Estendida , transida,
qual semi-morta a quem se aquecem os pés,
tiritando, ai!, de desconhecidas febres,
estremecendo ante as pontiagudas e frias setas de gelo,
acossada por ti, pensamento!
Inominável! Oculto! Medonho!
Tu caçador por trás das nuvens!
Fulminada pelo teu raio,
ó olhar escarninho que me fita no escuro!
Assim estou prostrada
vergo-me e contorço-me, torturada
por todos os eternos tormentos,
atingida,
por ti, crudelíssimo caçador,
ó desconhecido - deus…

Fere mais fundo!
Fere novamente!
Trespassa, quebra este coração!
Para quê este tormento
com setes de dentes embotados?
porque olhas de novo,
sem te cansares do suplício humano
com os divinos olhos que relampejam malícia?
Não queres matar,
só torturar, torturar?
Para quê – atormentares-me a mim,
ó malicioso deus desconhecido?

Ah! ah!
vens furtivamente
por esta meia-noite?...
O pretendes?
Fala!
Sufocas-me , oprimes-me
ah! Demasiado perto já!
Ouves-me respirar,
auscultas o meu coração,
ó ciumento!
— ciumento de que?
Vai-te! Vai-te!
para quê a escada?
queres penetrar nele,
no meu coração, entrar
nos meus mais recônditos
pensamentos, entrar?
Desavergonhado! Desconhecido! Ladrão!
Que queres tu roubar?
Que queres tu espiar?
Que queres tu extorquir de mim pela tortura,
ó torcionário!
ó deus-carrasco!
Ou deverei eu, como um cão,
espojar-me diante de ti?
Submissa, fascinada, fora de mim
pedir-te amor - abanando a cauda?

Em vão!
Fere novamente,
crudelíssimo aguilhão!
Não teu cão – mas tua presa sou agora,
crudelíssimo caçador!
a tua altiva prisioneira,
ó salteador por trás das nuvens…
Fala enfim!
Tu, oculto no relâmpago! Desconhecido! Fala!
Que queres tu, salteador, de - mim?...

Como?
Resgate?
Que queres tu de resgate?
Exige muito - aconselha-te o meu orgulho!
E fala pouco – aconselha-te o meu outro orgulho!

Ah! ah!
A mim – queres-me? a mim?
A mim – toda?

Ah! ah!
E torturas-me, ó doido,
Quebras-me com suplícios o meu orgulho?
Dá-me amor - quem me acalenta ainda?
quem me ama ainda?
dá-me mãos quentes,
dá-me braseiros para o coração,
Dá-me , à mais solitária,
a quem o gelo, ai! sete camadas de gelo,
ensinam a ansiar pelos inimigos,
pelos próprios inimigos,
dá-me, sim, rende-me
Crudelíssimo inimigo,
- a ti!...

Desapareceu!
Fugiu,
o meu único companheiro,
o meu grande inimigo
o meu desconhecido,
O meu deus-carrasco!...
Não!
Regressa!
Com todos os teus tormentos!
Todas as minhas lágrimas correm
em torrente para ti
e a derradeira chama do meu coração
inflama-se para ti.
Oh! regressa,
meu deus desconhecido! minha dor!
Minha derradeira felicidade!...

Um relâmpago. Dionísio aparece com esmeraldina beleza.

Dionísio:

Sê sensata, Ariadne…
Tens orelhas pequenas, tens as minhas orelhas:
acolhe nelas uma palavra sagaz! -
Não há que odiar primeiro, antes de amar?...

Eu sou o teu labirinto...



Friedrich Nietzsche 

 
Se um beijo é um erro estatistico, o amor é uma sombra chula

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